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26 de Abril de 2024
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    A pandemia e alguns reflexos nas relações de trabalho

    há 4 anos

    Em análise à cronologia dos eventos ocorridos no país, registre-se que o início do contágio da COVID-19 no Brasil ocorreu no dia 25/02/2020, após um homem de São Paulo/SP, de 61 (sessenta e um) anos, retornar da Itália e testar positivo para a SARS-CoV-2.

    Desde então, os casos confirmados foram cada vez mais se multiplicando por todos os estados do país, restando evidente a transmissão comunitária em todo o território nacional, o que tem impactado diversas vertentes da sociedade brasileira.

    Logo, diante do cenário atual e o enfrentamento da referida pandemia, a sociedade vem sofrendo com crises no setor da economia como um todo, pois, cumprindo a orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para prevenção do COVID-19, as empresas dos diversos ramos e segmentos profissionais foram obrigadas a fechar as portas, com a consequência da determinação de que todos os seus respectivos empregados fiquem em casa.

    Pois bem. A questão é que, com os empregados em casa, paralisou-se a contraprestação de todo trabalho e, com isso, abriu-se margem para uma situação de total instabilidade, tanto para a classe dos empregados, quanto para a classe dos empregadores.

    Isso porque a classe operária se encontra numa condição de vulnerabilidade, em razão de estarem em casa, sem oferecer sua força-trabalho ao seu empregador, por motivo de força maior, ou seja, alheia ao seu próprio interesse/vontade, fazendo assim com que se sinta ameaçada no sentido de não saber ao certo se haverá recebimento dos salários e dos direitos inerentes ao contrato de trabalho, durante esse período.

    Já no caso dos empregadores, instaurou-se também uma tensão no campo empresarial, porque, com a paralisação das atividades dos seus empregados, não há fluxo de caixa, ou seja, não há giro de capital, mas permanecem obrigações a pagar, inclusive referente aos contratos de trabalho de seus funcionários.

    Com isso, as autoridades governamentais tiveram que tomar algumas iniciativas para tentar amenizar as perdas e os danos de todos os lados e, assim, o Presidente da República anunciou a Medida Provisória nº 927 de 22.03.2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20.03.2020, e da emergência da saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), e dá outras providências.

    Ocorre que essa MP 927/2020, ao tentar apresentar soluções, medidas alternativas para conter principalmente os prejuízos de ambas as classes (empregados X empregadores), trouxe alguns pontos relevantes, mas ainda deixou muitas lacunas, que mantêm o cenário instável, até pelo fato de ser essa pandemia um fato totalmente novo, acerca do qual não há precedentes, ao ponto de usar alguma situação como parâmetro e analogia para aplicar no presente momento.

    Em primeiro lugar, registra-se que o próprio artigo 2º da MP 927/2020 destaca que, para fins trabalhistas, a pandemia provocada pelo coronavírus constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no artigo 501 da CLT.[1]

    Ademais, o artigo 3º da aludida MP enumera medidas que podem ser adotadas pelos empregadores. Vejamos:

    “Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:

    I – o teletrabalho;

    II – a antecipação de férias individuais;

    III – a concessão de férias coletivas;

    IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;

    V – o banco de horas;

    VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

    VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação; e

    VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS”.

    Pois bem. A primeira opção sugerida é adotar o teletrabalho, que inclusive já estava previsto expressamente no artigo 75-B da CLT (Redação dada pela Lei nº 13.467/2017).

    Relativamente ao teletrabalho, há certas peculiaridades a serem ressaltadas que devem ser observadas nesse período, para até mesmo evitar eventuais passivos trabalhistas, como por exemplo: não é necessário registrar essa alteração no contrato de trabalho (mas se deve fazer um aditivo em que preveja todas as peculiaridades tratadas na lei, visando a prevenir passivo), o empregador deve apenas avisar por escrito ou por e-mail, 48hs (quarenta e oito horas) antes de iniciar o home office; é uma prática válida e possível para todos os funcionários, inclusive estagiários e menores aprendizes; os instrumentos para trabalhar via acesso remoto devem ser concedidos pelo empregador, possibilitando assim a prestação de serviço daquele empregado em casa; esses instrumentos concedidos pelo empregador ao empregado não configuram salário (havendo a necessidade de cercar-se de determinadas cautelas jurídicas, por exemplo, a feitura de contrato de comodato de tais equipamentos e outras); o empregador concedendo todos os instrumentos e estrutura para o empregado laborar em casa, não pode este se recusar ao regime de teletrabalho, diante da força maior instaurada; e, a princípio, presume-se que não há horas extras no regime de teletrabalho, salvo se tiver como controlar a jornada do empregado de alguma forma, considerando o princípio da primazia da realidade sob a forma, o que deve ser, juridicamente, analisado caso a caso.

    Ademais, em análise aos demais incisos contidos no artigo 3º da MP 927/2020, tem-se que o isolamento social de cada um, que é a orientação da OMS para tentar conter a proliferação da doença, resultou na antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, antecipação e aproveitamento de feriados, tudo ao mesmo tempo.

    E, nesse ponto, há uma série de especificidades que, inclusive, já têm sido adotadas e observadas na prática pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

    Inicialmente, registra-se que, com relação às férias, apesar de ser um direito do empregado, a CLT determina que empregador detém a faculdade de escolher a data do gozo desse período de descanso de seus funcionários.

    Portanto, tem-se que é válida a antecipação de férias individuais, bem como a antecipação e concessão de férias coletivas.

    A MP 927/2020 disciplinou ainda que, durante o estado de calamidade pública, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, com a indicação do período a ser gozado, conforme artigo 6º e artigo 11. E, ainda, no caso de férias coletivas, fica dispensada a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional (artigo 12).

    Nesse sentido, cite-se aqui a recente decisão do TRT da 23ª Região, no processo nº 0000222-88.2020.5.23.0005, que tem como objeto a concessão de férias aos empregados, sem a necessidade de prévia notificação no período de 30 (trinta) dias antes do efetivo gozo, “in verbis”:

    “(…) O objetivo desta demanda é tão somente resolver situação de incerteza gerada em razão da necessidade de se sobrepujar determinada formalidade legal num contexto de notória urgência. (…)”

    Neste caso, diante da grave situação vivida pelo País, com notórios e funestos reflexos também no setor empresarial, é mister que se relativize determinadas formalidades, a fim de preservar e assegurar o valor constitucional do emprego.

    Nesse contexto, diante da imediata paralização de vários setores, com fechamento de diversas empresas, instituições, lojas e outros, não seria razoável apegar-se à letra do artigo 135 da CLT e, com isso, impedir o autor de conceder imediatas férias a seus empregados, somente para atender à formalidade prevista no referido dispositivo. Interpretação nesse sentido seria sobrepor a formalidade à realidade.

    Dessa forma, entendo que em razão da excepcionalidade do momento atual, reconhecido legalmente como força maior (artigo 1º, parágrafo único da recente MP 927/2020), é preciso interpretar sistematicamente a regra do artigo 135 da CLT, conjugando-a com o artigo 170, VII, da Constituição Federal, o qual estabelece ‘o pleno emprego’ como um valor fundamental de nossa ordem econômica e social.

    Vale ressaltar, por fim, que ainda corroborando a ideia da urgência do contexto atual, recentemente foi editada medida provisória 927/2020, que autoriza expressamente a concessão de férias imediatas aos empregados (ainda que não tenha transcorrido o período aquisitivo), condicionando-a, apenas, ao prévio aviso de 48 horas. Trata-se, portanto, de recente regra legal que confere suporte à pretensão dos autores.

    Ante o acima exposto, acolho parcialmente a pretensão para o fim de reconhecer a legalidade do ato de concessão de férias sem a observância da formalidade prevista no artigo 135 da CLT, condicionando-a, todavia, à prévia comunicação aos empregados, com no mínimo 48 horas de antecedência, tal como previsto no artigo e 11 da Media Provisória 927/2020”.

    Além disso, o seu pagamento poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias e o terço constitucional poderá ser pago, após a sua concessão, até a data em que é devido o décimo terceiro salário, ou seja, até 20/12.

    Ademais, o artigo 6º, § 3º, da MP destaca a priorização para concessão de férias individuais ou coletivas, para aqueles que pertencem ao grupo de risco do coronavírus.

    Já, o artigo 7º, ressalta que o empregador pode suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenham funções essenciais, mediante comunicação ao trabalhador, preferencialmente com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas.

    E, no caso desses profissionais de saúde, que forem chamados para trabalhar e se recusarem, pode esse ato de recusa configurar como ato de insubordinação.

    Ainda relativamente às férias, a MP possibilitou a antecipação destas, mesmo para empregados que não tenham completado o prazo do período aquisitivo (artigo 6º, inciso II).

    Nesse ponto, começam a aparecer algumas lacunas como fora destacado anteriormente, porque, por exemplo, não há qualquer artigo que fale da questão do pagamento das férias coletivas, sendo o mais viável, até que surja outra medida provisória, utilizar analogia ao pagamento das férias individuais para realizar o pagamento dessas.

    Outro lapso é o fato do texto falar sobre o período mínimo de 5 (cinco) dias corridos, de que não pode ser concedido férias em tempo menor que esse e respeita o período máximo de 30 (trinta) dias anuais, que consta na CLT.

    Porém há no presente momento a incerteza do futuro, de maneira geral, ao ponto que se tem aqui apenas o termo inicial da quarentena que é o isolamento social, respeitado e cumprido pela sociedade, não tendo como afirmar se esse período perdurará por um, dois, três ou mais meses e, consequentemente, surge aí questionamentos como: “há a possibilidade de estender esses trinta dias?” ou “seria possível antecipar quantos períodos de férias forem necessários?”

    “E, no caso, por exemplo, de ter uma resposta afirmativa para essas questões, como ficaria o empregado pós-período de quarentena, na normalização da situação e do seu contrato de trabalho, passaria dois anos trabalhando direto, sem poder usufruir de período de descanso algum a título de férias?”

    Verifica-se, portanto, que são inúmeras dúvidas que estão surgindo e ainda há aparecer mais, por toda essa incerteza e instabilidade em que se encontra a situação do país.

    Indo adiante no estudo da MP 927/2020 e não delongando muito, cumpre destacar também como medidas a serem adotadas nesse momento a antecipação de feriados (artigo 13), ou seja, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos – os feriados federais, estaduais, distritais e municipais – e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados, com antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.

    No que tange aos feriados religiosos, faz-se necessário a concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito que deve ser juridicamente estruturado.

    Essa diferenciação entre feriados religiosos e não religiosos está relacionada à garantia do direito à liberdade religiosa assegurada constitucionalmente.

    Por fim, destaca-se a questão do banco de horas, que é do empregado, conforme previsão na CLT. Nesse caso, o empregado trabalha algumas horas extras acumula-as em seu banco de horas. Posteriormente, terá o direito a descansar essas horas laboradas.

    Por sua vez, a MP 927/2020 alterou a sistemática do banco de horas, de acordo com a previsão expressa do artigo 14, que autorizou a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação da jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 (dezoito) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

    Nesse caso, os dias nos quais o empregado não for trabalhar por conta da interrupção das atividades da empresa serão computados no banco de horas e deverão ser compensados pelo trabalhador posteriormente quanto retomar as atividades normalmente com o fim dessa quarentena.

    Além disso, possibilitou ainda que o empregado trabalhe por mais duas horas, todos os dias, para repor esse período que não trabalhou, por conta da interrupção das atividades, desde que não exceda 10 (dez) horas diárias.

    Nota-se, portanto, que a MP 927/2020 criou o banco de horas para o empregador, pois primeiro é concedido o descanso ao empregado e, somente no fim da quarentena, o empregado pagará esses dias, uma vez que deverá trabalhar horas a mais para compensar o período que não trabalhou, pelo prazo máximo de 18 (dezoito) meses.

    Enfim, a partir dessa leitura, não restam dúvidas de que são inúmeras as mudanças que desencadearam e que todos, sejam eles empregados ou empregadores, terão que se adaptar a essas novas medidas, para saber lidar com essa crise instaurada, que tem como única palavra certa nesse momento a incerteza, pois ainda não há uma perspectiva de termo final dessa pandemia. Até chegar nesse momento, a ideia é se adequar da forma mais coerente, para que a sociedade tenha condição de sobreviver a esse período, prezando por sua saúde física e mental, ao ponto de evitar maior desequilíbrio e desespero do que aquele que já está sendo suportado.

    Portanto, no fim das contas, a única certeza que se tem atualmente é que não é hora de se pensar em classes, em quem será mais prejudicado, empregados ou empresas, uma vez que a proporção do sofrimento em cada um nesse momento é imensurável e presume-se que o desejo de todos é que essa situação seja controlada logo, a fim de normalizar todas as questões, sem que haja perdas alarmantes de vidas.

    Cristina Ottoni

    [1] Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

    Créditos da imagem: freepik


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